Chesnel, François
Resposta à Réplica do Abade Chesnel no “Univers”
O jornal Univers inseriu, em seu número de 28 de maio último, a resposta que havíamos dado ao artigo do abade Chesnel sobre o Espiritismo, fazendo-a seguir de uma réplica deste último. Reproduzindo todos os argumentos do primeiro, menos a urbanidade da forma com que todo mundo concordou em fazer justiça, não poderíamos responder a esse segundo artigo senão repetindo o que já havíamos dito, o que nos parece totalmente inútil. O abade Chesnel esforça-se sempre por provar que o Espiritismo é, deve ser e não pode deixar de ser senão uma religião nova, porque dele decorre uma filosofia e porque nele nos ocupamos da constituição física e moral dos mundos. Sob esse aspecto, todas as filosofias seriam religiões. Ora, como os sistemas afluem em abundância e todos eles têm partidários mais ou menos numerosos, isso restringiria singularmente o círculo do catolicismo. Não sabemos até que ponto seria imprudente e perigoso enunciar semelhante doutrina, porquanto é provocar uma cisão que não existe; é, pelo menos, dar-lhe uma idéia. Vede, um pouco, a que conseqüências chegais. Quando a Ciência veio contestar o sentido do texto bíblico dos seis dias da Criação, lançaram anátemas e disseram que era um ataque à religião. Hoje, que os fatos deram razão à Ciência, que já não há meios de os contestar a não ser negando a luz, a Igreja se pôs de acordo com a Ciência.

Suponhamos, então, que se tivesse dito que aquela teoria científica era uma religião nova, uma seita, porque parecia em contradição com os livros sagrados e porque lançava por terra uma interpretação dada há séculos, daí resultando que não era possível ser católico e adotar essas idéias novas. Pensemos, pois, a que se reduziria o número dos católicos, se fossem excluídos todos os que não acreditam que Deus fez a Terra em seis vezes vinte e quatro horas!

Sucede o mesmo com o Espiritismo. Se o olhais como uma religião nova, é que aos vossos olhos ele não é católico. Ora, acompanhai bem o nosso raciocínio. De duas uma: ou é uma realidade, ou uma utopia. Se é uma utopia, não há por que se preocupar com ele, já que cairá por si mesmo. Se é uma realidade,todos os raios não o impedirão de ser, da mesma forma que, outrora, a Terra jamais foi impedida de girar. Se, verdadeiramente,há um mundo invisível que nos circunda; se podemos entrar em comunicação com esse mundo e dele obter ensinamentos sobre o estado de seus habitantes – e todo o Espiritismo está aí contido – em pouco tempo isso parecerá tão natural como ver o Sol ao meiodia ou encontrar milhares de seres vivos e invisíveis numa gota de água límpida. Essa crença se tornará tão comum que sereis forçados a vos render à evidência. Se aos vossos olhos essa crença é uma religião nova, ela está fora do catolicismo, porque não pode ser simultaneamente a religião católica e uma religião nova. Se, pela força das coisas e da evidência, ela se generalizar – e não poderá deixar de ser assim, já que se trata de uma lei da Natureza – conforme o vosso ponto de vista não haveria mais católicos e vós mesmo não mais sereis católico, porque vos vereis forçado a agir como todo mundo.

Eis, senhor abade, o terreno sobre o qual nos arrasta a vossa doutrina, e ela é tão absoluta que já me gratificais com o título de sumo-sacerdote dessa religião, uma honra da qual eu não suspeitava. Mas ides mais longe: na vossa opinião, todos os médiuns são sacerdotes dessa religião. Aqui eu vos detenho em nome da lógica. Até agora havia-me parecido que as funções sacerdotais eram facultativas; que se era sacerdote apenas por um ato da própria vontade; que não se o era à revelia e em virtude de uma faculdade natural. Ora, a faculdade mediúnica é uma faculdade natural, que depende da sua organização, como a faculdade sonambúlica; não requer sexo, idade ou instrução, pois a encontramos nas crianças, nas mulheres e nos velhos, assim nos sábios como nos ignorantes. Seria compreensível que rapazes e moças fossem sacerdotes e sacerdotisas sem o querer e sem o
saber? Em verdade, sr. abade, é abusar do direito de interpretar as palavras. Como já disse, o Espiritismo está fora de todas as crenças dogmáticas, com as quais não se preocupa. Não o consideramos senão como ciência filosófica, que nos explica uma porção de coisas que não compreendemos e, por isso mesmo, em vez de abafar as idéias religiosas, como certas filosofias, faz brotá-las naqueles em que elas não existem. Mas se a todo custo o quiserdes elevar ao nível de uma religião, vós mesmos o lançais num caminho novo. É o que compreendem perfeitamente muitos eclesiásticos que, longe de se deixarem arrastar para o cisma, se esforçam por conciliar as coisas, em virtude deste raciocínio: Se há manifestações do mundo invisível, isso não pode ocorrer senão pela vontade de Deus e nós não podemos ir contra a sua vontade, a menos que digamos que, neste mundo, aconteça alguma coisa sem a sua permissão, o que seria uma impiedade. Se eu tivesse a honra de ser sacerdote, disto me serviria em favor da religião; dela faria uma arma contra a incredulidade e diria aos materialistas e ateus: Pedis provas? Ei-las: é Deus quem as envia.
R.E. , julho de 1859, p. 287